Baixa visão e acessibilidade: a história de Heloisa e os desafios invisíveis
Desafios da baixa visão no cotidiano: a história de Heloisa
Acessibilidade, antes de tudo, nem sempre se traduz em rampas e pisos táteis. Em muitos casos, há barreiras mais sutis — e, por isso mesmo, mais difíceis de enfrentar — que afetam profundamente a vida de pessoas com deficiências invisíveis.
Nesse sentido, os desafios da baixa visão no cotidiano são um exemplo claro. Essa condição, vivida por milhões de brasileiros, permanece amplamente subestimada nos espaços educacionais, familiares e urbanos.
Heloisa, 18 anos, tem nistagmo — uma condição neurológica que causa movimentos involuntários nos olhos. Isso faz com que sua visão nunca esteja “parada”, o que dificulta a leitura, o foco e a identificação de objetos à distância.
Vejo objetos parados como se estivessem em movimento. Até a luz da TV à noite parece pular de um lado pro outro.
Consequentemente, tarefas simples do dia a dia se tornam desafiadoras, exigindo adaptações constantes.
Saiba mais em: Serviços de acessibilidade no Rio de Janeiro
Entre a autonomia e a superproteção
Apesar dos desafios, Heloisa desenvolveu estratégias para manter uma rotina independente.
“Organizo tudo no meu quarto. Sei onde estão meus produtos, sei o que posso fazer sozinha.”
Ela cozinha, lava e usa o celular com configurações adaptadas.
No entanto, o maior obstáculo vem de onde ela menos esperava: dentro de casa.
“Acreditam que eu não posso sair sozinha, que não consigo andar na rua. Me tratam como criança.”
Nesse contexto, esse tipo de atitude — o capacitismo familiar — é um dos fatores mais limitantes para a autonomia de jovens com deficiência, pois restringe vivências básicas de crescimento e desenvolvimento pessoal.
Além disso, a superproteção impede que pessoas com deficiência aprendam habilidades essenciais para a vida cotidiana. Por essa razão, a promoção da independência precisa começar no ambiente familiar. Esses também são desafios da baixa visão no cotidiano que pouco se fala.
Desafios da baixa visão no cotidiano e a negligência escolar
A escola, que deveria ser um espaço de inclusão, também falhou. Durante três anos, Heloisa estudou em uma sala com alunos cegos.
Entretanto, por ter baixa visão, ela ficou “invisível” para os educadores.
“Recebia folhas com letras minúsculas. Quando pedia fonte ampliada, colavam folhas enormes com fita. Disseram que tinham esquecido que eu também era deficiente.”
Diante disso, essa realidade reforça a urgência de aplicar a acessibilidade metodológica nas instituições de ensino — adaptando conteúdos, formatos e abordagens para diferentes níveis de deficiência visual.
Afinal, não basta dizer que a escola é inclusiva: é preciso agir com coerência, planejamento e escuta ativa.
Além do mais, é fundamental ouvir quem vive a experiência educacional diariamente.
Leia mais: Acessibilidade metodológica: como funciona
A força da rede de apoio
O que garantiu algum equilíbrio à vida de Heloisa foi a rede de apoio que encontrou entre os amigos. Eles liam para ela, ditavam conteúdos e a encorajavam a buscar sua independência.
“Eles são como minha família. Me fazem bem, me ajudam em tudo. Sou muito grata.”
Desse modo, esse apoio horizontal — entre pares — é uma forma poderosa de inclusão social e emocional.
Em outras palavras, a convivência acessível vai além de estruturas físicas: ela também depende de empatia, escuta e reconhecimento do outro como sujeito capaz.
Portanto, fomentar laços comunitários e espaços de apoio mútuo é tão necessário quanto investir em infraestrutura.
Caminhos para enfrentar os desafios da baixa visão no cotidiano
A história de Heloisa escancara um problema recorrente: a ausência de políticas e recursos voltados às deficiências invisíveis.
Com frequência, o ambiente urbano, os sistemas de transporte e os serviços públicos não são pensados para pessoas com baixa visão ou outras limitações não evidentes.
Por isso, torna-se urgente ampliar o conceito de acessibilidade para além das adaptações físicas.
Além de modificar estruturas, é preciso modificar também a forma como olhamos para as capacidades e limitações do outro.
Como mudar isso?
- Em primeiro lugar, aplicando a Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015) de forma concreta e cotidiana
- Além disso, oferecendo materiais de fácil leitura e orientação visual adaptados
- Adicionalmente, incentivando a autonomia como princípio de projeto acessível
- Por fim, combatendo o capacitismo com informação, convivência e escuta ativa
“Ter deficiência não é sinal de fraqueza.”
Ao final da conversa, Heloisa compartilha algo que resume toda sua visão de mundo:
“A deficiência faz você enxergar o que os outros não veem. Meus amigos são verdadeiros, estão comigo mesmo com minhas dificuldades. Ter deficiência não é fraqueza. É uma parte de mim, mas não define tudo que eu sou.”
Portanto, cabe a todos — profissionais, instituições e familiares — compreender que a acessibilidade plena envolve também enxergar o que ainda não é óbvio.
Sobretudo, é necessário garantir o direito de existir com autonomia, voz e dignidade.